quarta-feira, 23 de abril de 2008

Estômago: é para ser assistido com gosto


O principal mérito de Estômago, de Marcos Jorge, é ter um grande protagonista: um personagem complexo, bem construído e cativante. E isso requer um intérprete à altura. Sorte nossa que o escolhido foi o baiano João Miguel, que é daqueles atores que fazem você acreditar de verdade no personagem. Mesmo que não exista uma pessoa tão ingênua como o seu Raimundo Nonato. Mas... será que não existe mesmo?

Nonato chega à cidade grande, sem ter onde cair morto, e aceita viver de favor num quartinho de um boteco bem pé-sujo e trabalhar como ajudante de cozinha. Suas coxinhas fazem tanto sucesso que ele logo atrai a atenção de um dono de restaurante. Era a oportunidade de ele ir trabalhar numa cozinha de verdade, e é lá que ele aprende que sua profissão pode ser também uma forma de se fazer arte.

Agora, uma ligeira pausa na história para acompanhamos a trajetória de Raimundo Nonato em outro local: a cadeia. Quer dizer, Raimundo não, "Nonato Canivete". Essa é a alcunha do nosso protagonista atrás das grades, que ele mesmo escolheu, para ser mais respeitado pelos outros presos. Rapidamente, ele percebe a hierarquia de poder que existe dentro da cela e entra no jogo. E lá dentro ele usa a seu favor sua habilidade na cozinha, ganhando prestígio entre os demais. Para impressionar, ele cria receitas próprias e reconta, a seu modo, as histórias que aprendeu com o patrão.

A partir daí, as duas partes da trama se alternam, mantendo um certo suspense até o final. A construção do roteiro, aliás, é um dos ingredientes que contribuem para o sucesso da história. Com o vaivém entre os dois momentos, podemos perceber com mais clareza a mudança na personalidade do protagonista. Lembra do sujeito inocente do início da nossa história? Pois é. Agora a coisa muda de figura.

O elenco do longa também está na medida certa: além do sempre excelente João Miguel (Cinema, aspirinas e urubus, Cidade baixa e O céu de Suely), Fabíula Nascimento arrasa como a protagonista feminina da história, na pele da prostituta Íria, cheinha e sexy toda vida, que se envolve com Nonato. Babu Santana se destaca como o bandidão Bujiú. E o ator bissexto Paulo Miklos faz uma participação especial.

Recheado de humor negro, Estômago, que levou o prêmio de voto popular do Festival do Rio ano passado, e rendeu um troféu de melhor diretor para Marcos Jorge, é uma receita que deu certo.

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